quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Cena seis: A ira de Herodes



Herodes era um homem mau.
Ao pedir que os magos retornassem lhe informando onde o menino havia sido encontrado para que ele também pudesse ir adorá-lo, pretendia, ao invés disso, assassiná-lo.
Esperou por algum tempo a volta dos magos.
O tempo seguia e os magos não retornavam.
Compreendeu Herodes, por fim, que os  magos o haviam enganado.
Não voltariam, como não voltaram, os magos.
Herodes era um homem mau.
Irritado, mandou que seus soldados roubassem a vida de todos os meninos nascidos ate dois anos de idade em Belém e em suas cercanias, garantindo assim, com o sangue de inocentes seu trono contra o rei que julgava um impostor.
Nem eram filhos de sua gente esses santos inocentes, visto que era um idumeu e não um judeu.
Herodes era um homem mau.
Não viu e creu.
E creu mas mandou que fosse morto o Messias.
Mas creu.
E em alguma página do Grande Livro de Deus deve estar escrito, ainda que em letras miúdas, que o primeiro passo para o a cura da alma é a tomada de consciência dos próprios atos e o conhecimento da dimensão das próprias atitudes.
Com aquela ordem assassina, Herodes sabia que era o Filho do Homem que ele tentava matar.
Era um homem mau, o grande Herodes, o que não viu e creu.

A ordem das sombras



I
Herodes, irritado e aborrecido
Após ter sido enganado pelos magos,
Após perceber que fora traído
Por aqueles a quem considerava aliados,

Absolutamente ensandecido,
Vestido inteiramente de pecados,
E para que não fosse destituído
E não tivesse seus poderes ameaçados,

Ordenou Herodes que fossem assassinados
Os meninos menores de dois anos encontrados
Nos arredores e no centro de Belém...

Que fossem mortos todos, sem piedade,
Que fossem usadas a força e a crueldade,
Mas que não escapasse ninguém...



II
Nenhuma culpa,
Nenhum pecado,
Nenhuma duvida,
Nenhum perdão,
Nenhum remorso,
Nenhum culpado,
Nenhuma pena,
Nenhum senão...

Qualquer menino,
De qualquer modo,
Dormindo no colo,
Brincando no chão,
Correndo, com medo,
Chorando,
Rindo,
Fugindo,
Andando,
Entendendo ou não...

Nenhuma piedade,
Nenhuma culpa,
A espada transpassando
O coração...
O sangue,
A morte,
O dever cumprido...
O menino morto
Sem explicação...

Nenhuma profecia,
Nenhum Rei,
Nenhum adversário,
Nenhuma subversão...
Nenhuma chance,
Nenhum limite,
Nenhum sobrevivente
E uma razão...

Nenhum aventureiro
Ou ameaça,
Nenhum estranho
Na contramão...
Nenhuma chance...
Nenhum sobrevivente...
Nenhum Messias,
Nenhum ladrão...























Cena sete: A fuga para o Egito


Algum tempo depois, um novo susto...
Eis que um anjo do Senhor aparece em sonho a José e o avisa: “Toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e demora por lá até que eu te diga o quanto, uma vez que Herodes procurará o menino para matá-lo”...
Começava ali uma longa viagem de fuga...
José tomou o menino e sua mãe e partiu, como o anjo ordenara...
Na escuridão da noite, cercada de insegurança e medo, a pequena família se despede do abrigo que a acolhera naqueles dias e segue, exilada em direção ao Egito distante.
Seguiriam circundando o mediterrâneo, atravessariam o deserto do Sinai, chegariam até o rio Nilo e de lá desceriam ate algum abrigo seguro.
Pelo deserto enfrentariam o clima, a noite, os salteadores e os perigos naturais dessa escapada súbita.
Não sabiam por quanto tempo permaneceriam naquela terra distante, de lingua diversa e de memória tão triste para o seu povo.
Não sabiam por quanto tempo não poderiam voltar para Nazaré, rever sua gente, apresentar o menino às suas famílias e a seus amigos, estar de volta ao lar...
Tomaram a decisão de fugir porque, pelo que haviam vivido até ali, deviam respeito à Deus e às palavras do anjo.
Fugiram.
Não demoraram,
Silenciosos, sem alarde, calmamente...
Como se fossem larápios,
Sem ter culpa,
Era preciso seguir em frente...

O Egito


I
Toma o menino e sua mãe e foge.
Toma o menino e sua mãe agora.
Toma o menino e sua mãe. O Egito é longe.
Toma o menino e sua mãe. E não demora.

Toma o menino e sua mãe. Aqui não pode.
Toma o menino e sua mãe e vai embora.
Toma o menino e sua mãe antes que Herodes...
Toma o menino e sua mãe antes que a hora...

Toma o menino e sua mãe. Depressa.
Toma o menino e sua mãe. A hora é essa.
Toma o menino e sua mãe e vai.

Toma o menino e sua mãe. Confia.
Toma o menino e sua mãe e Deus vos guia.
Toma o menino e sua mãe, pai...

II
Levanta-te então. Não perde tempo.
A sombra se aproxima. E quer matar.
Não perde tempo. Levanta-te sem demora.
Nenhuma possibilidade de esperar.

Levanta-te, então. Toma o menino
E sua mãe. Esse é o teu dever.
E foge para o Egito. Deus ampara.
E a palavra de Deus é proteger.

Esquece o medo. Levanta-te depressa.
É o Cordeiro de Deus que assim começa.
São os pecados do mundo o combatendo.

Toma o menino e sua mãe. E Deus vos guia.
E Deus será vossa companhia
E estará sempre vos protegendo.

Toma o menino e sua mãe. E vai.
Assume ai o teu papel de pai.
Segue, diante de Deus crescendo.

III
Não tenhas medo, José,
Segue adiante,
A vontade de Deus te acompanha a todo instante...

Segue, Maria, pelo caminho,
Não tenhas medo,
A vontade de Deus te bem disse desde cedo...

Meu bom menino Jesus,
Não há perigo.
A vontade de Deus, Nosso Pai, está contigo...

Então caminha, José,
Longe dali para um lugar seguro.
A vontade de Deus te protege, feito um muro...

Confia e segue, Maria,
Não há motivo para medo ou susto.
A vontade de Deus te ampara a todo custo.

Jesus, menino,
Não vai te acontecer nada de ruim.
A vontade de Deus estará contigo até o fim.

E assim seguiram, Jesus, José e Maria,
Fazendo, uns aos outros, companhia,
Tendo a vontade de Deus por garantia...

IV
E tem inicio a longa caminhada
Da família ao mesmo tempo Sagrada e exilada
Rumo à terra estrangeira.
Maria, como se fosse culpada,
Jose, como se sua vida fosse errada,
E o menino Jesus
Porque não poderia ser de outra maneira...

V
E segue em fuga a Família Sagrada
Conforme o anjo, o sonho, a anunciação...
O recém nato e sua vida ameaçada,
O Egito, além do deserto, a proteção...

A roupa do corpo, quase mais nada,
O medo menor que a determinação   
Segue viagem a família, determinada,
O mapa do caminho? O coração...

A escuridão da noite escancarada,
O horizonte sem fim por longa estrada,
O tempo que parece em translação...

O frio escuro da noite gelada,
O dia quente da areia escaldada,
Segue a Sagrada Família, então...

VI
Teria procurado José, zeloso
Seguir viagem com outros viajantes
Que, em caravanas, junto, seguiam?

Teria partido em silencio, sigiloso,
Para não chamar atenção dos habitantes
Da pequenina Belém, de onde partiram?

Teria levado, José, roteiro, guia?
Teria levado moeda? Garantia?
Que coisa além da fé inabalável?

Levava o medo de perder Maria
E o filho, que essa viagem protegia?
O que levava José, pai incansável...

VII
A longa viagem
Solitária e inesperada...
Que estranha culpa?
Quem os perseguia?
Que fuga subitamente anunciada?
Que aventura,
Com que garantia?

Refugiados
Em triste caminhada...
Um anjo do senhor
Os acompanharia?
Seriam perseguidos?
Maltratados?
E quem no Egito os acolheria?

Caminhariam
Deserto adentro
Por vales que ninguém se atreveria...
Sem água seguiriam,
Sem alimento,
Sem pouso,
Sem descanso,
Sombra,
Guia...

Cansados,
Fugitivos,
Assustados,
José, o menino Jesus, sua mãe Maria,
De uma hora para outra extraditados,
Nada entretanto os tombava
Ou os destruía,
O medo não os acuava:
Eram uma família...

Fugidios, como réus,
Desalojados,
Distantes da sua pátria,
Sua alegria,
Empobrecidos,
Desabrigados,
Um vinculo incomum
Ali crescia:
Eram uma família...

Jose cansava
Mas não desistia,
O menino de colo chorava
Consolado por Maria
Que às vezes, triste, chorava,
Que, sempre forte, seguia...
Nenhum deserto
Por maior que fosse
Ainda que desejasse
Os destruiria:
Jose, Maria e o menino Jesus
Eram uma família...

E nessa longa viagem
Solitária,
Silenciosa
Como uma vigília,
Seguiram
Confiantes
E amparados...
Estavam juntos...
Eram uma família...

VIII
Chora o menino,
A mãe o toma,
O pai tenta ajudar
E cantarola...
Deserto ali, além,
Por todo lado...
Desconsolado,
O menino chora...

Naturalmente,
Bebes de colo
Choram por quase
Todas as razões...
Mas é deserto,
Venta em tudo entorno,
Seus pais tem muitas
Preocupações...

Acalma-se o menino
Quando mama,
Nada parece apoiá-lo
Em seu redor,
Ou quase nada:
Seus pais o guardam...
Não há no mundo
Amor nenhum maior...

Silencio agora,
O menino já não chora...
Deserto.
Fome.
Frio.
Solidão...
Silencio.
Agora o menino dorme...
E alguma paz para o coração...

Assim passaram-se
Dias, semanas,
Meses que pareciam
Ser sem fim...
Deserto.
Sono.
Cansaço.
Frio...
E a história da fuga
Se escrevendo assim...

IX

Segue a família através do deserto,
O grande Sinai parece não ter fim.
Imenso de vazio e nada a céu aberto
E tempestade de areia e vento ruim...

Segue a viagem e seu futuro incerto:
Belém, Sinai, Egito... Sempre assim...
É como um nunca chegar ainda que perto
E uma família pronta para o sim...

Imensos vales. Vastas planícies.
Salteadores estúpidos e infelizes,
A morte, o medo, o risco, a solidão...

E assim seguiram por alguns meses
Sob o amparo de Deus sempre que às vezes
O cansaço, a tristeza, a exaustão...

X
Quanto tempo passaram fugitivos
Nesse êxodo indicado pelo anjo?
Onde viveram? Por onde andaram?
Que lugares e gentes conheceram?

Que nomes aprenderam, exilados?
Que paisagens por esse tempo?
Que dificuldades e quantas enfrentaram?
Quantos sequer os compreenderam?

Que hábitos assumiram, despatriados?
Que coisas construíram e plantaram
Nessa jornada longe do lar?

Que angustias sem noticias da família?
Quantas saudades da Palestina?
Em quanto tempo o tempo de voltar?
















segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Cena oito: Os meninos de Belém


Partiram então os soldados de Herodes, determinados a roubar a vida de cada menino com aparência menor do que dois anos de idade.
Partiram, não se sabe exatamente quantos deles, levando nas mãos a lamina de metal e no peito um coração de pedra.
Seguiram por alguns quilômetros para dentro daquela noite negra e à medida que se aproximavam de Belém, além do coração de pedra e das mãos assassinas, vestiram-se de olhos de víbora e iniciaram a caçada infame que lhes garantiria o inferno eterno no julgamento da humanidade pelos milênios afora.
Meninos de despediram desta vida sem perceber.
Mães formam mergulhadas em um inacessível lodaçal de dor.
Gritos, choro, ranger de dentes, pedidos inconsoláveis de piedade...
E a impassividade dos soldados maus,cegos seguidores de um rei mau...
A dor misturada com o sangue que já não jorrava quente dos pequenos corpos daqueles santos inocentes impiedosamente mutilados e destruídos sonorizadas pelos gritos surdos das mães apavoradas e impotentes diante da perda de seus filhos, o horror de todos em torno diante de tudo aquilo emprestavam àquela noite um luto e uma escuridão assustadoras...
Nunca se soube bem quantos meninos ao todo foram mortos...
Nunca se esqueceu, entretanto, através dos milênios, aquela noite...
A mais triste noite da história do nascimento do cordeiro de Deus...
A noite dos primeiros mártires do Cristianismo...

A testemunha


Não percebi quando eles chegaram,
Soldados por todos os lados,
Nada pediram, nada explicaram,
Chegaram simplesmente, e bem armados...

Embrutecidos, não se importaram
Com os gritos dos meninos assustados...
A sangue frio, um por um, mataram,
Depois seguiram, despreocupados...

Não percebi quando chegaram os soldados,
Mas não me esqueço dos gritos inconformados
Das mães junto aos seus filhos que tombaram...

Gritos de dor e pavor, desesperados,
Das mães dos meninos assassinados,
Gritos que ainda hoje não calaram...

O menino


Porque assim, mamãe, tão assustada?
Porque você está gritando assim?
Eu estava ali brincando, mamãe... Eu não fiz nada...
Já estava quase no fim...

Está triste comigo, mamãe? Está zangada?
Eu fiz alguma coisa de tão ruim?
Porque você está tão assustada?
Fala, mamãe, pra mim...

Não tive tempo de dizer mais nada...
Não percebi a lamina da espada,
E, no lugar da dor, um desconforto...

Não percebi o sangue que jorrava...
Não compreendi porque minha mãe chorava...
Tarde demais... Eu já estava morto...

Meu filho


Meu filho... Diz a mãe, apavorada...
Meu filho... Diz a mãe banhada em dor...
Pega no colo a criança ensangüentada...
Meu filho morto... Meu filho... Meu amor...

E corre... E chora, desesperada...
Não há consolo para o seu clamor...
Meu filho... Diz a mãe, desconsolada...
Meu filho... E os olhos cheios de pavor...

Abraça o filho morto e, com carinho,
Tenta enxugar-lhe o sangue do corpinho,
Tenta estancar a morte inutilmente...

Abraça o corpo do filho e não diz nada...
E entre o corpo do filho e a mãe calada
Uma dor de durar eternamente...

Mater dolorosa


Ah, meu menino lindo, minha cria,
Ah, minha vida arrancada,
Ah, minha alma, de tão vazia,
Minha alma agora não é mais nada...

Ah, meu menino lindo que sorria,
Brincando sua vida despreocupada...
Agora tudo é noite escura e fria...
Ah, meu menino, mamãe esta apavorada...

Ah meu menino, porque assim, tão triste?
Porque seu choro não mais existe?
Porque meu colo tão sem ninguém?

Porque meu peito já ninguém aquece?
Porque você já não me obedece?
Mamãe está chamando, meu menino... Vem...

Chora Raquel...



Chora seus filhos Raquel,
E não quer consolação...
Quem há de trazê-los de volta
Ao ninho do coração?
Quem há de pega-los no colo,
Carregá-los pela mão,
Vê-los dormir novamente
No seu pedaço de chão?

Chora seus filhos Raquel.
Já não há consolação.
Imensa a dor e profunda
A sua lamentação...
É choro tinto de morte,
De luto e desolação...
Seus filhos já não existem...
Nenhuma respiração...

Chora seus filhos Raquel
E não quer consolação...
Chora a dor sem fim, sem nome,
Sem repouso, sem perdão,
Sem consolo, sem destino,
Sem pecado, sem razão...
Chora Raquel sem seus filhos...
Chora Raquel... Solidão...

Os soldados de Herodes


As ordens foram integralmente cumpridas:
Meninos menores de dois anos assassinados.
Não foi difícil tirar as suas vidas:
Indefesos, inocentes, sem pecados...

As suas mães gritaram, estarrecidas,
Quando eles foram dos seus braços arrancados
Pelos soldados de Herodes, homicidas,
E, pelos soldados de Herodes, mutilados...

Ordens cumpridas. Meninos mortos.
As mães chorando seus corpos.
Sofrimento... Sofrimento... Sofrimento...

Nenhum conforto para a dor da morte,
Nenhuma cicatriz para esse corte,
Nada que estanque esse sangramento...

Réquiem...


A morte passou por aqui mais cedo,.
Não fez segredo desse ter passado,
Deixou seus rastros de pavor e medo,
Golpes de sangue por todo lado.

A morte amarga e seu sabor azedo,
Seu manto negro e de aspecto pesado,
Marcando com as impressões do próprio dedo
O seu caminho sujo de pecado...

Silencio. Restos de lamento.Frio.
O leito dos meninos está vazio,
Seus familiares, desconsolados...

A morte passou por aqui e foi embora
Mas permanece em cada mãe que chora
Pelos seus filhos assassinados...

Martirio



Meninos inocentes, sacrificados
Pela crueldade da espada assassina...
Bebês, ainda de colo, assassinados...
Corte tão bruto em lâmina tão fina...

Tão pequeninos, tão sem pecados,
Morrer tão cedo assim, trágica sina...
Impiedosamente massacrados...
O pavor disseminando a dor e a ruína...

Meninos inocentes, Deus vos guarde.
A morte vos tocou com tanto alarde,
Com tanta dor, com tanto inconformismo...

Que Deus vos tenha em Sua companhia
E cale o horror que vos tornou um dia
Os primeiros Mártires do Cristianismo...

Cena nove: Morreram os que atentaram contra a vida do menino...



O tempo passou...

Impiedoso, o tempo não se curva aos homens maus...
E por mais fortes e por mais cruéis que sejam, o tempo impiedoso não se curva diante deles...
E com o tempo, cada um daqueles que tentaram contra a vida do menino passou...
Morreram os que tentaram contra a vida do menino, porque diante deles o implacável tempo não se curvou.
Herodes, o Grande, personifica o símbolo de todos eles, mas o evangelho faz perceber que não agiu sozinho
Deixou esta vida, cuja história manchou com inúmeros assassinatos cruéis, de modo sofrido e lamentável...
Deformado por grave doença que lhe inchou todo o corpo e lhe apodreceu a carne, sozinho e sem afeto, morreu...
Sem o amor dos filhos que assassinara, sem a companhia da esposa que amara tanto e que roubara a vida sem piedade, sem a compaixão de tantos quantos o cercavam, pobre assim, morreu...
Não levou o trono para as trevas com ele...
O esquife de ouro e pedrarias contendo seu corpo morto foi tão somente o lugar para onde as larvas e os microorganismos seguiram para se alimentarem da carne morta e putrefeita...
O tempo, implacável, não se curva aos piores homens maus, tampouco aos mais poderosos...
Somente a misericórdia divina, entretanto, silenciosa e serena, é capaz com seu poder inquebrantável de fazer do homem morto um homem redivivo e do homem mau, um homem renascido.
O tempo, implacável, desafia a tudo...
A misericórdia divina desafia o tempo...

Os que atentaram



Os que atentaram

Quantos, exatamente, os que morreram?
Quantos aqueles os que atentaram?
Quantos mandaram? Quantos obedeceram?
Que coisas quantos deles combinaram?

Porque seus nomes jamais apareceram?
Com medo de que culpas se ocultaram?
Por que atrás de Herodes se esconderam
Ou livres de que penas se julgaram?

Que fatos não sabemos, mas aconteceram?
Quantos deles se arrependeram
E quantos outros jamais confessaram?

Desejavam vencer, mas não venceram...
Não poderiam perder... Mas se perderam...
Tiveram a honra de crer, mas fracassaram...

A morte de Herodes


Morreu Herodes,
O rei da Judéia,
Herodes, o Grande
Morreu...
Rapidamente
A noticia se espalhou
Por todo o povo judeu...

Vitima de hidropsia,
E gangrena,
Enfermidade cruel e aviltante,
Tamanhos foram sua dor
E desespero
Que tentou se matar
Uns dias antes...

Nesta sua ultima
E fúnebre viagem,
Um diadema
De ouro e brilhantes
O adornava...
Era um esquife imponente
Feito de ouro
E incrustado
De pedras preciosas
Que o levava...

A este insólito cortejo
Compareceram
Somente os familiares:
Os mais próximos
E os mais chegados,
Mas não a esposa Mariana
E alguns filhos
Porque estes foram
Por ordens dele próprio
Assassinados...

Um séqüito formado
Por vários regimentos
De fortes soldados
Seu corpo seguia...
Quinhentos escravos
Levavam perfumes,
E carregavam especiarias...
Um grande funeral
Para Herodes, o Grande...
Foi a noticia maior
Daqueles dias...

Foi sepultado no Herodium,
Sua fortaleza,
Situada a dez quilômetros
De Belém...
Tão poderoso,
Tão forte,
Tão tirano,
E, de repente,
Herodes
Tão sem ninguém...

Morreu Herodes
Para quem um filho
Sempre valeu menos
Que um porco seu...
Amedrontado,
Morreu Herodes...
Desesperado,
Morreu...

Naquela hora
Fatal e sem retorno,
Pálido, hirto, morto
E já ausente,
Herodes, o Grande,
Cujo nome e gestos
Serão lembrados
Com tristeza
Eternamente,

Morreu
Sem luto,
Choro,
Tristeza,
Saudade,
Desalento,
Sem carinho...
Contou somente
Com a Misericórdia
Do Deus
Que ele negou
Pelo caminho...


Misericórdia
Ele levou somente
Misericórdia,
Mais nada.
Negada e recebida.
Ele sempre
A recusou,
Mas não lhe foi
Recusada...

Morreu Herodes.
E conta-se
Que desse dia em diante
O povo inteiro
De alguma forma
Viu-se libertado
Daquela espécie
De cativeiro

Onde a ordem e a lei
Eram a espada
E a crueldade
Não via reservas...
Semeou dor
E grandiosidade,
Viveu submerso
Em soberba
E trevas...

Morreu Herodes.
A tirania
Perdeu seu pai...
Orfandade...
Morreu Herodes...
Adeus, Herodes...
Que Deus te receba
Em sua
Eternidade...

A mãe do menino morto...



A mãe do menino morto
Quando soube do ocorrido,
Quedou-se tremula e pálida
Como um pássaro ferido...

E ainda pálida e tremula
Mal conseguiu escutar
A noticia do Rei morto
Que vieram lhe contar.

Gelou a mão nessa hora,
E, sem conseguir falar,
Desatinada da vida
Desconsolou-se a chorar...

No instante em que lhe contaram
Do Rei cruel que morrera
Seus olhos se encheram d’água
Pelo filho que perdera

Naquela noite sem nome,
Aqueles gritos de não,
A dor, o sangue, a tragédia
Sem nenhuma explicação...

Reviu o filho no colo
Que a morte veio buscar
Seu corpo desfalecido,
Sua vida a lhe escapar,

O choro do desespero,
A crueza do soldado,
Os restos mortais do filho
Sem vida, despedaçado...

A mãe do menino, atônita,
Chorou, dor desconsolada...
Ali perdera sua vida
Na que se lhe fora roubada,

Ali secara-lhe o animo,
E a sua esperança inteira,
Sua dor, sua fome, seu sono,
Seu nome quase esquecera,

A mãe do menino, em pranto,
Naquela hora, atordoada,
Reviu a imagem do filho
Reviu o corte da espada,

Perdeu a voz, já sem forças,
Sentou-se ao lado da esteira
No mesmo triste cantinho
Onde seu filho morrera,

Sentou sozinha e em silencio,
Sentiu um breve arrepio,
Abraçou o próprio colo
Sem percebê-lo vazio,

Lembrou ali do menino,
Das risadas que ele dava,
Das farras que ele fazia,
Das noites que ele chorava,

Lembrou das horas de febre,
Das dores de vez em quando,
Das noites de sono leve,
Dos dias de amamentando...

A mãe do menino morto,
Sem que pudesse entender,
Trazia o filho em seus braços
E viu seu filho morrer...

Daquela hora em diante
Também aos poucos morreu,
Sem filho, ficou sozinha,
Sem luz, tudo escureceu,

Seu sorriso foi-se embora,
Sua vida, abandonada,
Perdeu sua identidade,
Sua forca, esvaziada...

Naquela hora tão triste
Viu morrer sua alegria,
Quis lutar, mas não lutava,
Gritar, mas não conseguia,

Quis brigar... Mas de que jeito?
Fugir... Mas para onde iria?
Quis fazer voltar o tempo...
Quis morrer... Mas não sabia...

Foram tempos de silencio,
De luto, de depressão,
Desencanto, sofrimento,
Desalento, solidão,

Ate que aquela noticia
Trazida não sei por quem,
Tocou a mãe tão sofrida
Do menino de Belém...

Morrera o Rei desumano...
Seu nome, ela não dizia...
Sua lei, não questionava...
Sua ordem, não discutia...

Sobre ele não falava,
Comentários não ouvia,
Pois morto ele já estava
E mais morto aquele dia...

Chorando, a mãe do menino
Ao saber do acontecido,
Orou a Deus, recordando
Seu filho morto querido,

Rogou a Deus, comovida
Na oração que ela fazia,
Improvisando uma prece
Que, mais ou menos, dizia:

“Senhor, que de hoje em diante
E por toda a eternidade
A ira seja asfixiada
Pelas mãos da piedade.

Que o ódio seja banido
Desde esse dia em diante
Transformando horror e medo
Em amor ao semelhante,

A crueldade impostora
Que seja desmascarada
Tornando-se auxilio e apoio
Para cada alma cansada,

Que a lamina fria da espada
Deixe assim de existir
E cada mãe assustada
Possa voltar a sorrir,

Que cada filho levado
Pelos soldados sem Deus
Seja tido como um Anjo
Um mensageiro dos Céus,

E o Rei, já depois de morto
Vendo essa transformação
Caia em si, desesperado,
E aprenda a grande lição:

Que suplique por piedade,
Mergulhado em sofrimento,
Sofrendo cada maldade,
Vivendo cada lamento,

Cada dor, cada crueldade,
Cada morte encomendada,
Que assim viva intensamente
Ate não restar mais nada

E quando não mais houver
Nenhuma dor não sentida,
Nenhuma morte ignorada,
Nenhuma lagrima esquecida,

Então que a Misericórdia
Divina aja em seu favor
E aceite o arrependimento
Revelado pela dor,

E livre de sua miséria,
E longe do seu poder.
Possa o Rei tornar-se homem
E começar a viver...”

Foi quando a mãe do menino
Terminando, silenciou.
Seus olhos possuíam brilho
Quando a oração acabou.

Parecia enternecida,
Uma paz a dominava.
Já não trazia na face
O medo. Já não chorava.

E conta-se que depois disso,
Essa mãe, recuperada,
Fez-se mãe fortalecida,
Fez-se mãe modificada,

Daquele dia em diante
Passou a prestar auxilio
Às mães mais necessitadas
Em memória do seu filho,

Ofereceu sua ajuda
Às mães com filhos menores,
Tornando seus dias tristes
Dias um pouco melhores...

Recuperou seu sorriso,
Retomou a sua vida,
Arrumou a sua casa,
Retornou à sua lida,

Vivendo solidariedade,
Descobrindo comunhão,
Distribuindo amizade,
Disseminando perdão,

Reconstruindo sua paz
E a paz da sua vizinhança,
Deixando, pelo caminho,
Sinais de vida e esperança...

Depois dali, nunca mais
Tanta dor desabalada,
Tanta dor incompreendida,
Tanta dor inconformada,

Depois dali, e para sempre,
Se dor, desespero não,
Se desanimo, coragem,
Sempre luz, se escuridão,

Pois nenhuma tirania,
Nenhuma ordem ou poder,
Nenhum exercito insano
Tem força capaz de vencer

Nenhuma mãe
Companheira obstinada,
E o amor dessa mãe
Para com os seus...
“Mãe não tem limite
É tempo sem hora”,
Imitação
Fiel
E essencial
De Deus...










Cena dez: Após a morte daqueles que tentaram contra a vida do menino, um anjo aparece em sonho a Jose...



Após a morte daqueles que tentaram contra a vida do menino, José é orientado em sonho pelo anjo do Senhor para que retorne às terras de Israel.
Foram anos de convívio fraterno no Egito que em outra época fora senhor de seu povo, mas que por aqueles tempos ofereceu a cordialidade e proteção de que a Sagrada Família necessitava.
Era o Egito dos Faraós e dos muitos Deuses.
Eram Jose, Maria e o menino de um pais distante, fugitivos, ameaçados pela lamina do mau e crentes num Deus único e acima de todas as coisas e leis do universo.
E apesar das diferenças de credo e cultura, o afeto que a família sagrada recebeu durante aqueles anos ficaria registrado na lembrança do povo egípcio por séculos sem fim e preservada sua passagem por ali através da tradição e da memória de seu povo...
Era hora de voltar para casa...
Mas sabendo que Arquelau, filho do sanguinário Herodes era o nome que reinava na Judéia, Jose teve medo, e mais uma vez os anjos lhe apareceram em sonho e lhe indicaram a direção da Galiléia, para onde seguiram em longa jornada de volta através do deserto de Sinai e das margens do Mar Mediterrâneo. 
Sem o medo que marcara sua chegada, com o menino já mais crescido e já mais tranqüilos conquanto calejados, seguem viagem.
E vão buscar abrigo em Nazaré a fim de que fosse cumprida o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno


I
Morreram os que tentaram
Contra a vida do menino
Morreram, nada levaram,
Além do próprio destino...

Morreram, já não há nada
Que de mal possam fazer...
Nenhuma lamina de espada,
Que mata, que faz sofrer...

Morreram... Já se esgotaram,
Já se foram, retornaram
Para as trevas de onde vieram...

Morreram os que tramaram,
Morreram os que mandaram,
Morreram os que fizeram...

II
Levanta-te, e toma o menino e sua mãe
Retorna às terras de Israel, sem medo...
Disse-lhe um anjo do Senhor em sonho...
Então José, naquela manhã bem cedo

Tomou o menino e a sua mãe e foi
E por Herodes ter sido tão mau
Ficou com medo de ir para a Judéia
Onde reinava seu filho Arquelau

Foi quando então, mais uma vez, em sonho
Um anjo do Senhor apareceu
E a Galiléia tornou-se a direção...

Era lá que ficava Nazaré,
E foi por lá que tudo começara,
E assim, seguiram para lá então...


III
E após tanto tempo no Egito, abrigados.
Chegara enfim o tempo de voltar...
Faz tanto tempo estavam exilados...
Saudades do lar...

E após tanto tempo, quase acostumados,
Chegara a hora de se desacostumar...
Tão protegidos, tão bem tratados,
Mas um dia esse dia ia chegar...

E como se estivessem preparados,
E já sem medo nenhum, já descansados,
Iniciaram seu retornar...

E após esse tempo inteiro de exilados,
José, Maria e Jesus, abençoados,
Seguiram para onde haveriam de ir morar...

IV
Adeus, Egito. Muito obrigado
Pela companhia. Pela proteção.
Pelo carinho. Pelo cuidado.
Por ter aberto teu coração.

Pelo caminho por Deus guiado.
Por ter sido por Deus tua indicação.
Por ter vestido, por ter alimentado,
E dado aO Consolador consolação.

Que seja teu nome para sempre lembrado
Por ter acolhido e ter guardado
Das mãos do mal a nossa salvação...

Adeus Egito. Povo abençoado.
Que Deus te proteja de todo o pecado.
Bendita seja, Egito, a tua nação...



V
Nas horas em que o mal se mostra absurdo
Em sua ira desenbestada,
E o coração, tomado em dor, dói mudo,
E a sua delicadeza é ameaçada,

Nas horas desse sofrimento agudo,
Cortante como a lâmina de uma espada,
Nas noites sem lugar para descuido,
Nos dias em que a paz é condenada,

É nessas horas que a Providência,
Com determinação e coerência,
Mostra sua luz, e a escuridão desaba...

A Providência Divina. O grande escudo.
Porque com Deus nenhuma dor é tudo.
Porque sem Deus qualquer poder é nada. 

VI
Era para ter sido assim dessa maneira
O Céu inteiro descendo à Terra inteira,
Anjos por todos os lados...

E foi do modo como era para ter sido,
Como era mesmo para ter acontecido,
O nascimento daquele sem pecados...



VII
Nunca foram tantos Anjos,
Antes e em qualquer tempo,
Nunca um dia foram tantos,
Anjos por todos os lados,
Anjos por todos os cantos...
Anjos em sonhos,
Anjos em aparições,
Anjos sozinhos,
Anjos em Legiões,
Anjos protegendo,
Anjos ordenando,
Anjos sugerindo,
Anjos anunciando,
Anjos cantando louvores,
Anjos para os pastores,
Anjos para Zacarias
Naqueles dias,
Anjos para Isabel,
E, dentre esses Anjos,
O Anjo Gabriel.
Anjos para Maria de Nazaré,
Anjos, e sempre em sonhos, para José,
Por vezes em tom aflito:
Toma o menino e sua mãe e foge para o Egito...
E há quem diga,
Não se sabe bem,
Que era formada por Anjos
A Estrela de Belém...
Anjos.
Nunca foram tantos.
Nunca foram tantos quase ao mesmo tempo.
Jamais como no nascimento de Jesus...
Anjos.
Nunca foram tão certeiros
Tão estratégicos em seus arranjos.
Nunca tantos.
Tão ligeiros.
Nunca.
Jamais foram tantos
Anjos.

Cena onze: e o menino ia crescendo...



E o menino ia crescendo e se fortalecendo em espírito e ficando cheio de sabedoria e a graça de Deus estava sobre ele.
Estas são as ultimas palavras usadas por Lucas, o Evangelista, acerca da infância do menino Jesus...
Infância que começara em Belém, seguira em rota de fuga para o Egito e o trouxera daquelas terras longínquas para a pequena aldeia de Nazaré, na Galiléia, casa de seus pais, onde então cresceu e se fortaleceu em espírito e sabedoria.
Aprendeu com seu pai o oficio da carpintaria, certamente, bem como o trabalho no campo e o conhecimento das coisas e causas da natureza...
Aprendeu com sua mãe santíssima seu engrandecimento em espírito, seu crescimento em virtude, sua fortaleza em serenidade...
Era ela que muitas vezes contava para ele as histórias de seu povo e da sua própria história e lhe soprava as primeiras letras das leis e dos profetas, a quem o menino, repleto da graça de Deus, viera dar cumprimento sem destruí-las...
Estas foram as ultimas palavras que o Evangelista registrou sobre o menino e sua infância na pequena aldeia.
Anos mais tarde ele iniciaria seu grande ministério e arrebataria com sua verdade e seus atos e com sua história a humanidade inteira pelos séculos afora...
E ele, grande embora como já disse o poeta, permaneceria para todo o sempre crescido e fortalecido em espírito, e cheio de sabedoria, e assim como foi como quando era pequenino feito grão de milho, a graça de Deus estaria para todo o sempre sobre ele.
Que assim seja...


E o menino ia
Crescendo sempre e em boa companhia,
A firmeza de José,
A doçura de Maria...
E assim crescia
Aprendendo as lições do dia a dia,
O trabalho com José,
A devoção com Maria...
E assim seguia,
Fortalecendo-se enquanto aprendia
O respeito com José,
O amor à Deus com Maria...
Desenvolvia
Ficando cheio de sabedoria...
A retidão com José,
A retidão com Maria,
E a graça de Deus sobre ele se estendia...

domingo, 13 de janeiro de 2019

Poema de Natal


Transcrição para a linguagem da poesia da “Oração de Natal”, publicada originalmente em “Um poema para o Natal”, Ed. Scortecci, 2005 (próxima postagem)



I
Recorda a Humanidade, neste dia
Os fatos que cercaram tua chegada:
O Anjo anunciando-te à Maria,
José quando acolheu a sua amada

De Nazaré a Belém, tua romaria,
Onde não havia vaga na pousada,
O teu nascimento numa estrebaria,
A manjedoura, tua primeira morada...

Recorda a Humanidade, entre louvores,
Os Anjos anunciando-te aos pastores,
Os magos e Herodes, a adoração e o medo...

Recorda a Humanidade nessa hora
Os primeiros movimentos da tua estória
Imensa e encantadora desde cedo...

II
Desde aqueles dias
Já se vão dois mil anos...
Do mesmo modo
Como os pastores,
Aqui estamos...
Soubemos da Boa Nova
E aqui viemos
Como fizeram os pastores
Há dois mil anos...
E, como os pastores,
Nós nos sabemos
Pobres seres humanos,
Nada possuímos
Nem trazemos,
Como os pastores
Há dois mil anos...
Não viemos,
Como os pastores,
Tão logo e assim que soubemos...
Nós nos atrasamos...
Mas aqui estamos
Na tua presença e,
Por tão pequenos,
Silenciamos...
E assim, orando,
Nós nos ajoelhamos,
Como os pastores
Nós nos alegramos,
Como os pastores
Há dois mil anos...

III
E aqui estamos de mãos vazias...
O que intencionávamos trazer perdemos
Com companhias, com teorias,
Com coisas que valiam menos...

E aqui estamos. Não trazemos nada.
O que tínhamos ficou pelo caminho.
Nós nos dispersamos pela caminhada
E caminhamos em desalinho...

E aqui estamos. Nada trazemos.
Nem mirra, nem ouro e nem incenso...
Pelo caminho nós os perdemos
E nos restou esse vazio imenso...

E aqui estamos. Nós nos dispersamos.
Nós nos atrasamos. Mas aqui viemos.
Já se passaram mais de dois mil anos
E ainda não aprendemos...

Aqui estamos. Ajoelhados.
De mãos vazias. Em pensamento.
Aqui estamos, muito cansados,
Diante do teu nascimento.

IV
O ouro que traríamos,
Valioso,
Peça imponente,
Belíssima cor,
Recebeu tantas ofertas
Nesses dias
Que o trocamos
Sem nenhum pudor
Por bugigangas,
Quinquilharias,
Sem garantias,
Coisas sem valor:
Bijouterias,
Peças sem valia,
Pedras sem brilho
E sem nenhum teor...
Gastamos todo
Com ninharias,
Trocamos,
Demos
E esquecemos
De repor...
Hoje não temos
Mais do que a lembrança
Do que já tivemos
E, alem disso,
Dor...
E porque gastamos,
E porque perdemos,
Comportamo-nos
Como o mau pastor
Que se descuida
Do que seria
Para cuidar
Como bom cuidador...
Aqui estamos
De mãos vazias,
Nada mais temos,
Nada nos restou...
De mãos vazias
Aqui estamos...
Vazios
Na presença
Do Senhor...

V
O aroma leve de um suave incenso
Nós preparamos para trazer.
Aspecto doce, odor delicado,
Especificamente preparado
Para o menino que viemos ver.

Foi quando ate aqui, pelo caminho,
Outros aromas doces conhecemos,
Por outros cheiros nos atraímos,
Outras essências sentimos,
Outras fragrâncias colhemos

E o aroma leve do incenso suave
Que preparamos foi se perdendo
E como a água quando escorre pelo ralo
Já não nos é possível agora identificá-lo...
_O que é que andamos fazendo?

Por outros cheiros nos seduzimos,
Outros perfumes vulgares,
Azedos, acres, fáceis, sedutores,
Odores oferecidos, maus odores,
Dezenas e centenas e milhares...

E assim o símbolo de tua espiritualidade
Contaminamos em nossa caminhada...
Estúpidos condutores, e descuidados,
E incautos, fomos contaminados
E hoje trazemos a alma infectada...

E o aroma suave do incenso doce
Já não possuímos nesse momento...
Envolve-nos, Senhor, com tua essência,
Ajoelhados, na tua presença,
Reverenciando teu nascimento...

VI
A mirra, preparamos com carinho
E embalamos cuidadosamente...
O sofrimento é parte do caminho...
A dor é sempre presente...

Mas dono de um cuidado tão mesquinho,
De um jeito tão displicente,
Bastou o primeiro copo de vinho
E o primeiro gole amargo de aguardente

E a mirra a derramamos e a perdemos,
A dor embriagada dói bem menos...
Desrespeitamos teu sofrimento...

E hoje aqui, não mais tão embriagados,
Postamos-nos diante de ti, ajoelhados,
Diante do teu nascimento...


VII
Submersos em trevas e isolados,
Por desacertos nos conduzimos...
Enfraquecidos, tolos, derrotados
Que a nós mesmos nos destruímos...

A sombra, como semente alimentada,
Cresceu e se espalhou, erva daninha...
A Humanidade quedou-se, acinzentada,
Perdeu o rumo, perdeu a linha...

O desafeto e o desamor, unidos,
Tornaram-se gestos diários
Que os homens fracos e os distraídos
Trataram como comportamentos necessários...

E assim, do desamor nasceram a usura,
A ira torpe, a falta de perdão,
O ódio entre a criatura e a criatura
E a rudeza do coração...

Mísseis cruzando os céus, caças insanos,
Botões dizimando nações sem piedade,
Homens selvagens, seres humanos
Vestidos de pura bestialidade...

A morte provocada pela guerra,
O lucro à custa da crueldade,
A sombra assustadora sobre a Terra
Ameaçando a Humanidade...

Flagelo. Fome. Miséria. Medo.
Terror. Suspeita. Desamparo. Dor.
O homem que vive entre feras desde cedo
Fica contaminado por esse horror.

A que chegamos... Não sobrou nada.
Nenhuma luz. Só ódio. Só discórdia.
E uma Humanidade necessitada
Da tua infinita Misericórdia.

E longe dela, ai de nós pelo que somos.
Pelo caminho ruim que caminhamos.
Pelo que fizemos. Pelo que fomos
E pelo muito que erramos.

Longe da tua Misericórdia, nada.
Ranger de dentes. Choro. Fome. Frio.
A tua Misericórdia é a luz da nossa estrada,
Cesto de peixe que nunca está vazio...

Aqui estamos, pois. Muito cansados.
Já não suportamos tanto sofrimento.
Aqui estamos, ajoelhados,
Diante do teu nascimento.

VIII
Mas é Natal, e assim,
Ecos dos Anjos
Ainda fazem-se ouvir
Em seu Louvor...
Ecos que anunciam
A Boa Nova:
_Eis que hoje vos nasceu
O Salvador.

Eis que é Natal.
E as vozes dos Anjos vibram.
Cânticos de Anjos
Em Legião
Dizendo:
_Hosana... Nasceu Jesus,
Alegrai, pois,
Vosso coração...

Eis que é Natal
E, por ai, pastores
Ainda se alegram
Com a anunciação...
Vibram e falam
Uns para os outros,
E alguns se postam
Em oração...

Que delicado
O cântico dos Anjos,
Escuta-se ao longe
Um trecho seu:
_Gloria a Deus nas alturas
E paz na Terra...
Jesus nasceu...

Santificada essa Boa Nova,
Iluminada essa hora
Como a esperança que se renova:
Toda alegria
Ao mesmo tempo
Agora...

É terna e pura a luz da tua estrela,
Silenciosa e serena,
E vê quem tem olhos de ver seu brilho,
Como quem entende um poema...

Acolhedora a tua manjedoura,
Tão pouco e ao mesmo tempo tanto, tanto...
Impressionantemente acolhedora
Como se fosse teu manto...

Suave e belo o significado
Da tua mensagem de amor,
Ao mesmo tempo imenso, delicado
E inexplicavelmente acolhedor...

Simples pastores por companhia,
Delicadeza, naturalidade...
De onde trouxeram tanta alegria
E tanta felicidade?

E a musica que cantam, como um coro
De varias vozes e grande harmonia,
Como quem cuida um tesouro,
Como se fossem os próprios José e Maria?

A musica que cantam... Que serena...
Retalhos inteiros feitos de paz...
Encantador recordar esta cena
Dos teus primeiros Natais...

E a gruta acolhedora, teu resguardo...
A manjedoura... Nenhuma ostentação...
Nem luz, nem brilho e, no entanto, nenhum fardo...
Nenhuma pena... Nenhum senão...

A gruta, feita de simplicidade...
Nenhum Palácio significa tanto...
Não há vestígios de suntuosidade,
Há, sim, sinais de que é um lugar santo...

IX
E dois mil longos anos se passaram...
Aqueles que, como nós, te conheceram,
Durante esse tempo se desviaram
E após tantos desvios se perderam...

E em dois mil longos anos que afastaram
Da tua presença os que viram e não creram,
Multiplicaram-se os que te negaram,
Espalharam-se os que não te receberam...

E dois mil anos não foram bastante
Para que nós chegássemos aqui diante
De ti como em outra época Simeão...

Os nossos olhos, endurecidos,
Envoltos em trevas, escurecidos,
Ainda não compreenderam a tua lição...

X
Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo,
Caminho, verdade, vida,
Recebe nossa alma vazia nessa hora,
Pela tua Misericórdia, estremecida...

E permanece nosso pensamento assim:
Magnificado e em lagrimas submergido...
Deixamos lá fora as sandálias, o pó ruim,
Trazemos o pensamento enternecido,

Exatasiado com tua singeleza,
Complexa, imensa e cheia de verdade,
Admirados com a força gigantesca
Da tua aparente fragilidade...

Trazemos, humilhado,
O coração cansado,
Trazemos, destruído,
O coração sofrido,
Trazemos, derrotado,
O coração errado,
Trazemos, combalido,
O coração doído...

XI
Insufla nossa boca
Com teu sopro santo,
Fazendo-a cheia
Das palavras de Simeão:
Podemos partir,
Desde agora,
Porque nossos olhos
Viram
A salvação...
XII
Senhor Jesus,
Feliz Natal.
Nos Céus
Os Anjos
Dizem:
_Amém...
Cantando:
_Glória a Deus nas alturas
E Paz na Terra
Aos homens
A quem ele quer bem...

Que assim seja...


Oração de Natal


Versão original em prosa do texto publicado na presente edição como “Poema de Natal”. Originalmente publicado em “Um poema para o Natal”, Scortecci Editora, 1 ed, 2005.


Ele era a Luz verdadeira
Que ilumina todo homem;
Ele vinha ao mundo.
Ele estava no mundo
E o mundo foi feito por meio Dele,
Mas o mundo não O reconheceu.
Veio para o que era Seu
E os seus não O receberam
Mas a todos que O receberam
Deu o poder de se tornarem filhos de Deus:
Eles,
Que não foram gerados nem do sangue
Nem de uma vontade da carne,
Nem de uma vontade do homem,
Mas de Deus.
E o Verbo se fez carne
E habitou entre nós,
E nós vimos a Sua Glória,
Glória que Ele tem junto ao Pai
Como Filho Único
Cheio de Graça e Verdade.
Jo 1, 9-14


Senhor Jesus.
Hoje é o Dia do Teu Natal.
A Humanidade recorda nesta data os acontecimentos ligados àqueles dias que transformaram a Tua chegada numa grandiosa história de símbolos inesquecíveis: os anúncios dos Anjos, a viagem até Belém num burrinho, o Teu nascimento numa estrebaria, a alegria dos pastores comuns de guardar ovelhas quando receberam a noticia de Teu nascimento por muitos Anjos do Céu, a visita dos Magos, a ira de Herodes...
Dois milênios se passaram...
Chegamos hoje aqui neste Teu dia e em Tua presença, do mesmo modo como estiveram do Teu lado os pastores, homens comuns do campo, cuidadores de rebanho, somente para venerar esta data que guarda com ela o início de Teu martírio e de Teu exemplo de amor a Humanidade.
Trazemos, Senhor Jesus, as mãos vazias.
O ouro que planejávamos entregar-Te, nós o perdemos pelo caminho, trocando-o por valores de realeza quase sem valor até que nos restassem somente algumas miseras patacas as quais acabamos por igualmente gastar e nada possuir além da lembrança do quanto já tivemos em nossas mãos...
O incenso precioso abandonamos seu aroma quando nos sentimos atraídos por outros perfumes que a nós nos pareceram mais sedutores: dois milênios foram tempo suficiente para nos perdermos em outras divindades e valores...
A mirra que intencionávamos trazer acabamos por derramá-la sem cuidado, desapercebendo dessa forma seus sinais de imortalidade infinita, e nos tornando frágeis e tolos e vãos...
Perdemos o rumo da Estrela que surgiu para nos guiar, por isso nos atrasamos tanto...
Trazemos hoje o coração enfraquecido e submerso neste mundo de desacerto e treva a que nos conduzimos...
Deste longo mergulho na sombra pudemos ver de perto o desafeto e o desamor tornarem-se gestos comuns e quase necessários...
Homens destruindo homens, vendo suas nações dizimadas por caças e mísseis sem motivo algum além do ódio, da usura insana,da ira torpe e da rudeza do coração mau...
Aproximamo-nos perigosamente da fome e do flagelo e acabamos percebendo que nada ou quase nada podemos fazer ou tentar longe da Tua infinita Misericórdia...
Mas eis que é Natal, Senhor Jesus...
Temos ouvido, ecos deixados pelos Anjos em suas visitas, que para nosso bem nasceu Jesus, nosso Salvador...
É delicado o Cântico dos Anjos que nos chama em tom quase maternal: Hosana, Jesus nasceu...
É santificada essa Boa Nova...
É terna e pura a luz da Tua Estrela...
Acolhedora a Tua Manjedoura...
Suave o significado da Tua Mensagem de amor...
Deliciosa a companhia dos pastores...
Alegre a música alegre que os presenciamos cantar e dançar como pediu-lhes a Legião de Anjos...
Acolhedora e agradável a Tua gruta rude e santa, a nos proteger da noite, do medo, do frio e da solidão que nos dilacera lá fora...
Ah, Menino Jesus...
Cordeiro de Deus que por nós, pecadores, derramou Seu sangue para nos mostrar o Caminho, a Verdade e a Vida...
Estamos hoje, após dois milênios de noite tenebrosa e desamor angustiante, diante de Ti.
Recebe nossas mãos vazias...
E permanece nosso pensamento assim:
Extasiados com a complexidade de Tua singeleza e admirados com a força gigantesca de Tua aparente fragilidade...
Aqui estamos, Mestre amado,
Aqui está o nosso coração humilhado diante de Teu exemplo...
Insufla nossa boca com Teu sopro, fazendo-a cheia das palavras de Simeão: podemos partir em paz porque os nossos olhos viram a salvação.
Senhor Jesus,
Feliz Natal.
Glória a Deus nas Alturas e paz na Terra aos Homens a quem Ele quer bem.
Que assim seja.

Cena seis: A ira de Herodes

Herodes era um homem mau. Ao pedir que os magos retornassem lhe informando onde o menino havia sido encontrado para que ele também pud...