quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Cena seis: A ira de Herodes



Herodes era um homem mau.
Ao pedir que os magos retornassem lhe informando onde o menino havia sido encontrado para que ele também pudesse ir adorá-lo, pretendia, ao invés disso, assassiná-lo.
Esperou por algum tempo a volta dos magos.
O tempo seguia e os magos não retornavam.
Compreendeu Herodes, por fim, que os  magos o haviam enganado.
Não voltariam, como não voltaram, os magos.
Herodes era um homem mau.
Irritado, mandou que seus soldados roubassem a vida de todos os meninos nascidos ate dois anos de idade em Belém e em suas cercanias, garantindo assim, com o sangue de inocentes seu trono contra o rei que julgava um impostor.
Nem eram filhos de sua gente esses santos inocentes, visto que era um idumeu e não um judeu.
Herodes era um homem mau.
Não viu e creu.
E creu mas mandou que fosse morto o Messias.
Mas creu.
E em alguma página do Grande Livro de Deus deve estar escrito, ainda que em letras miúdas, que o primeiro passo para o a cura da alma é a tomada de consciência dos próprios atos e o conhecimento da dimensão das próprias atitudes.
Com aquela ordem assassina, Herodes sabia que era o Filho do Homem que ele tentava matar.
Era um homem mau, o grande Herodes, o que não viu e creu.

A ordem das sombras



I
Herodes, irritado e aborrecido
Após ter sido enganado pelos magos,
Após perceber que fora traído
Por aqueles a quem considerava aliados,

Absolutamente ensandecido,
Vestido inteiramente de pecados,
E para que não fosse destituído
E não tivesse seus poderes ameaçados,

Ordenou Herodes que fossem assassinados
Os meninos menores de dois anos encontrados
Nos arredores e no centro de Belém...

Que fossem mortos todos, sem piedade,
Que fossem usadas a força e a crueldade,
Mas que não escapasse ninguém...



II
Nenhuma culpa,
Nenhum pecado,
Nenhuma duvida,
Nenhum perdão,
Nenhum remorso,
Nenhum culpado,
Nenhuma pena,
Nenhum senão...

Qualquer menino,
De qualquer modo,
Dormindo no colo,
Brincando no chão,
Correndo, com medo,
Chorando,
Rindo,
Fugindo,
Andando,
Entendendo ou não...

Nenhuma piedade,
Nenhuma culpa,
A espada transpassando
O coração...
O sangue,
A morte,
O dever cumprido...
O menino morto
Sem explicação...

Nenhuma profecia,
Nenhum Rei,
Nenhum adversário,
Nenhuma subversão...
Nenhuma chance,
Nenhum limite,
Nenhum sobrevivente
E uma razão...

Nenhum aventureiro
Ou ameaça,
Nenhum estranho
Na contramão...
Nenhuma chance...
Nenhum sobrevivente...
Nenhum Messias,
Nenhum ladrão...























Cena sete: A fuga para o Egito


Algum tempo depois, um novo susto...
Eis que um anjo do Senhor aparece em sonho a José e o avisa: “Toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e demora por lá até que eu te diga o quanto, uma vez que Herodes procurará o menino para matá-lo”...
Começava ali uma longa viagem de fuga...
José tomou o menino e sua mãe e partiu, como o anjo ordenara...
Na escuridão da noite, cercada de insegurança e medo, a pequena família se despede do abrigo que a acolhera naqueles dias e segue, exilada em direção ao Egito distante.
Seguiriam circundando o mediterrâneo, atravessariam o deserto do Sinai, chegariam até o rio Nilo e de lá desceriam ate algum abrigo seguro.
Pelo deserto enfrentariam o clima, a noite, os salteadores e os perigos naturais dessa escapada súbita.
Não sabiam por quanto tempo permaneceriam naquela terra distante, de lingua diversa e de memória tão triste para o seu povo.
Não sabiam por quanto tempo não poderiam voltar para Nazaré, rever sua gente, apresentar o menino às suas famílias e a seus amigos, estar de volta ao lar...
Tomaram a decisão de fugir porque, pelo que haviam vivido até ali, deviam respeito à Deus e às palavras do anjo.
Fugiram.
Não demoraram,
Silenciosos, sem alarde, calmamente...
Como se fossem larápios,
Sem ter culpa,
Era preciso seguir em frente...

O Egito


I
Toma o menino e sua mãe e foge.
Toma o menino e sua mãe agora.
Toma o menino e sua mãe. O Egito é longe.
Toma o menino e sua mãe. E não demora.

Toma o menino e sua mãe. Aqui não pode.
Toma o menino e sua mãe e vai embora.
Toma o menino e sua mãe antes que Herodes...
Toma o menino e sua mãe antes que a hora...

Toma o menino e sua mãe. Depressa.
Toma o menino e sua mãe. A hora é essa.
Toma o menino e sua mãe e vai.

Toma o menino e sua mãe. Confia.
Toma o menino e sua mãe e Deus vos guia.
Toma o menino e sua mãe, pai...

II
Levanta-te então. Não perde tempo.
A sombra se aproxima. E quer matar.
Não perde tempo. Levanta-te sem demora.
Nenhuma possibilidade de esperar.

Levanta-te, então. Toma o menino
E sua mãe. Esse é o teu dever.
E foge para o Egito. Deus ampara.
E a palavra de Deus é proteger.

Esquece o medo. Levanta-te depressa.
É o Cordeiro de Deus que assim começa.
São os pecados do mundo o combatendo.

Toma o menino e sua mãe. E Deus vos guia.
E Deus será vossa companhia
E estará sempre vos protegendo.

Toma o menino e sua mãe. E vai.
Assume ai o teu papel de pai.
Segue, diante de Deus crescendo.

III
Não tenhas medo, José,
Segue adiante,
A vontade de Deus te acompanha a todo instante...

Segue, Maria, pelo caminho,
Não tenhas medo,
A vontade de Deus te bem disse desde cedo...

Meu bom menino Jesus,
Não há perigo.
A vontade de Deus, Nosso Pai, está contigo...

Então caminha, José,
Longe dali para um lugar seguro.
A vontade de Deus te protege, feito um muro...

Confia e segue, Maria,
Não há motivo para medo ou susto.
A vontade de Deus te ampara a todo custo.

Jesus, menino,
Não vai te acontecer nada de ruim.
A vontade de Deus estará contigo até o fim.

E assim seguiram, Jesus, José e Maria,
Fazendo, uns aos outros, companhia,
Tendo a vontade de Deus por garantia...

IV
E tem inicio a longa caminhada
Da família ao mesmo tempo Sagrada e exilada
Rumo à terra estrangeira.
Maria, como se fosse culpada,
Jose, como se sua vida fosse errada,
E o menino Jesus
Porque não poderia ser de outra maneira...

V
E segue em fuga a Família Sagrada
Conforme o anjo, o sonho, a anunciação...
O recém nato e sua vida ameaçada,
O Egito, além do deserto, a proteção...

A roupa do corpo, quase mais nada,
O medo menor que a determinação   
Segue viagem a família, determinada,
O mapa do caminho? O coração...

A escuridão da noite escancarada,
O horizonte sem fim por longa estrada,
O tempo que parece em translação...

O frio escuro da noite gelada,
O dia quente da areia escaldada,
Segue a Sagrada Família, então...

VI
Teria procurado José, zeloso
Seguir viagem com outros viajantes
Que, em caravanas, junto, seguiam?

Teria partido em silencio, sigiloso,
Para não chamar atenção dos habitantes
Da pequenina Belém, de onde partiram?

Teria levado, José, roteiro, guia?
Teria levado moeda? Garantia?
Que coisa além da fé inabalável?

Levava o medo de perder Maria
E o filho, que essa viagem protegia?
O que levava José, pai incansável...

VII
A longa viagem
Solitária e inesperada...
Que estranha culpa?
Quem os perseguia?
Que fuga subitamente anunciada?
Que aventura,
Com que garantia?

Refugiados
Em triste caminhada...
Um anjo do senhor
Os acompanharia?
Seriam perseguidos?
Maltratados?
E quem no Egito os acolheria?

Caminhariam
Deserto adentro
Por vales que ninguém se atreveria...
Sem água seguiriam,
Sem alimento,
Sem pouso,
Sem descanso,
Sombra,
Guia...

Cansados,
Fugitivos,
Assustados,
José, o menino Jesus, sua mãe Maria,
De uma hora para outra extraditados,
Nada entretanto os tombava
Ou os destruía,
O medo não os acuava:
Eram uma família...

Fugidios, como réus,
Desalojados,
Distantes da sua pátria,
Sua alegria,
Empobrecidos,
Desabrigados,
Um vinculo incomum
Ali crescia:
Eram uma família...

Jose cansava
Mas não desistia,
O menino de colo chorava
Consolado por Maria
Que às vezes, triste, chorava,
Que, sempre forte, seguia...
Nenhum deserto
Por maior que fosse
Ainda que desejasse
Os destruiria:
Jose, Maria e o menino Jesus
Eram uma família...

E nessa longa viagem
Solitária,
Silenciosa
Como uma vigília,
Seguiram
Confiantes
E amparados...
Estavam juntos...
Eram uma família...

VIII
Chora o menino,
A mãe o toma,
O pai tenta ajudar
E cantarola...
Deserto ali, além,
Por todo lado...
Desconsolado,
O menino chora...

Naturalmente,
Bebes de colo
Choram por quase
Todas as razões...
Mas é deserto,
Venta em tudo entorno,
Seus pais tem muitas
Preocupações...

Acalma-se o menino
Quando mama,
Nada parece apoiá-lo
Em seu redor,
Ou quase nada:
Seus pais o guardam...
Não há no mundo
Amor nenhum maior...

Silencio agora,
O menino já não chora...
Deserto.
Fome.
Frio.
Solidão...
Silencio.
Agora o menino dorme...
E alguma paz para o coração...

Assim passaram-se
Dias, semanas,
Meses que pareciam
Ser sem fim...
Deserto.
Sono.
Cansaço.
Frio...
E a história da fuga
Se escrevendo assim...

IX

Segue a família através do deserto,
O grande Sinai parece não ter fim.
Imenso de vazio e nada a céu aberto
E tempestade de areia e vento ruim...

Segue a viagem e seu futuro incerto:
Belém, Sinai, Egito... Sempre assim...
É como um nunca chegar ainda que perto
E uma família pronta para o sim...

Imensos vales. Vastas planícies.
Salteadores estúpidos e infelizes,
A morte, o medo, o risco, a solidão...

E assim seguiram por alguns meses
Sob o amparo de Deus sempre que às vezes
O cansaço, a tristeza, a exaustão...

X
Quanto tempo passaram fugitivos
Nesse êxodo indicado pelo anjo?
Onde viveram? Por onde andaram?
Que lugares e gentes conheceram?

Que nomes aprenderam, exilados?
Que paisagens por esse tempo?
Que dificuldades e quantas enfrentaram?
Quantos sequer os compreenderam?

Que hábitos assumiram, despatriados?
Que coisas construíram e plantaram
Nessa jornada longe do lar?

Que angustias sem noticias da família?
Quantas saudades da Palestina?
Em quanto tempo o tempo de voltar?
















segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Cena oito: Os meninos de Belém


Partiram então os soldados de Herodes, determinados a roubar a vida de cada menino com aparência menor do que dois anos de idade.
Partiram, não se sabe exatamente quantos deles, levando nas mãos a lamina de metal e no peito um coração de pedra.
Seguiram por alguns quilômetros para dentro daquela noite negra e à medida que se aproximavam de Belém, além do coração de pedra e das mãos assassinas, vestiram-se de olhos de víbora e iniciaram a caçada infame que lhes garantiria o inferno eterno no julgamento da humanidade pelos milênios afora.
Meninos de despediram desta vida sem perceber.
Mães formam mergulhadas em um inacessível lodaçal de dor.
Gritos, choro, ranger de dentes, pedidos inconsoláveis de piedade...
E a impassividade dos soldados maus,cegos seguidores de um rei mau...
A dor misturada com o sangue que já não jorrava quente dos pequenos corpos daqueles santos inocentes impiedosamente mutilados e destruídos sonorizadas pelos gritos surdos das mães apavoradas e impotentes diante da perda de seus filhos, o horror de todos em torno diante de tudo aquilo emprestavam àquela noite um luto e uma escuridão assustadoras...
Nunca se soube bem quantos meninos ao todo foram mortos...
Nunca se esqueceu, entretanto, através dos milênios, aquela noite...
A mais triste noite da história do nascimento do cordeiro de Deus...
A noite dos primeiros mártires do Cristianismo...

A testemunha


Não percebi quando eles chegaram,
Soldados por todos os lados,
Nada pediram, nada explicaram,
Chegaram simplesmente, e bem armados...

Embrutecidos, não se importaram
Com os gritos dos meninos assustados...
A sangue frio, um por um, mataram,
Depois seguiram, despreocupados...

Não percebi quando chegaram os soldados,
Mas não me esqueço dos gritos inconformados
Das mães junto aos seus filhos que tombaram...

Gritos de dor e pavor, desesperados,
Das mães dos meninos assassinados,
Gritos que ainda hoje não calaram...

O menino


Porque assim, mamãe, tão assustada?
Porque você está gritando assim?
Eu estava ali brincando, mamãe... Eu não fiz nada...
Já estava quase no fim...

Está triste comigo, mamãe? Está zangada?
Eu fiz alguma coisa de tão ruim?
Porque você está tão assustada?
Fala, mamãe, pra mim...

Não tive tempo de dizer mais nada...
Não percebi a lamina da espada,
E, no lugar da dor, um desconforto...

Não percebi o sangue que jorrava...
Não compreendi porque minha mãe chorava...
Tarde demais... Eu já estava morto...

Cena seis: A ira de Herodes

Herodes era um homem mau. Ao pedir que os magos retornassem lhe informando onde o menino havia sido encontrado para que ele também pud...